“Amarante – Pascoaes: Do Solar de Gatão ao Universo”
A promessa é de uma viagem até ao universo e quem por lá passou, parece já rendido aos encantos desta que é uma exposição, no mínimo, inédita. Até 6 de maio, o universo de Pascoaes, abandona a terra natal do poeta para ocupar parte do 2º piso da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP). Pela primeira vez, o espaço físico da BNP transforma-se para acolher esta mostra que a Câmara Municipal de Amarante, o Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CLEPUL), a BNP, entre outras instituições, organizam. “Amarante – Pascoaes: Do Solar de Gatão ao Universo” recria a atmosfera do espaço familiar e de escrita do poeta, reunindo um vasto conjunto de epístolas de e para Pascoaes, cartões-postais, manuscritos e datiloscritos de algumas das obras fundamentais do autor, fotografias de família, amigos e admiradores e ainda alguns exemplares da sua obra plástica.
Assim, se num primeiro momento, a imagética da Exposição, parte de um cenário intimista, através da recriação panorâmica do escritório do poeta, num segundo momento domina a intensidade fugitiva da expressão plástica de Pascoaes, patente nas suas ilustrações, enquanto no último momento, o foco centra-se no homem, de seu nome Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, dando ênfase quer ao contacto que mantinha com os amigos e cultores da época, quer aos manuscritos e epístolas que atestam a riqueza da sua produção. Os três espaços unificam-se, rompendo os limites geográficos, justamente através da magnitude do legado, literário e filosófico, deixado por Teixeira de Pascoaes.
A inauguração oficial da exposição aconteceu a 8 de fevereiro, na presença de autoridades institucionais e oficiais, e foi precedida de uma mesa-redonda, com os contributos de António Cândido Franco, Miguel Real, Renato Epifânio e Serafina Martins. Na cerimónia teve ainda lugar a atuação do Grupo Coral de Queluz, sob a direção do Maestro Pedro Miguel, com apresentação de uma composição musical inédita, da autoria do compositor Gonçalo Risso Lourenço, a partir de um poema de Pascoaes. A exposição estará patente ao público até 6 de maio, na sala de exposições do 2.º piso da biblioteca.
A este evento, em Lisboa, seguir-se-á o último ciclo de Congresso Internacionais do Triénio Pascoalino, a ter lugar em Amarante, entre 27 e 31 de março de 2017.
Três espaços concêntricos e intercomunicantes
Orquestrada em três espaços concêntricos e intercomunicantes, cujo ritmo de expansão se inicia com a visita nuclear ao espaço do ofício de poeta e cujo itinerário dinâmico e interpelante foi pensado a partir do poder da Palavra que inscreve uma mundividência singular e ímpar, a mostra pretende lembrar a presença continuada do escritório do autor.
Ainda antes, porém, de adentrarmos o espaço de intimidade deste autor de alta magnitude somos convocados, primeiramente, pela imponente imagem da Serra do Marão: paisagem que surge como ponto de intersecção direta entre a maneira íntima de ser do poeta e a sua visão, cuja força cósmica rompe com os limites geográficos.
É, pois, nesta altura que nos assombram os pungentes versos de Marânus (1911):
«(…)
Amo-te, ó grande serra maternal!
Amo-te, desde a fonte piedosa
Que dos teus flancos mana, duma casta
E fresca transparência religiosa
(…)»
Seguidamente, cada visitante é convidado a entrar pelo pórtico do Solar de Gatão e a apreciar a beleza dos azulejos seiscentistas deste espaço secular, remontando ao século XVII. Este momento, antecedendo a entrada litúrgica na intimidade do autor, deverá conduzir o visitante a uma postura de recetividade reverencial, próxima talvez da atitude dos irmãos de Pascoaes que, sentindo que estavam perante um ser superior, andavam calçados com chinelos pelos corredores de sua casa para não perturbarem esse seu ímpar Irmão.
Depois de passarmos o frontispício do Solar de Gatão deparamo-nos com o centro nevrálgico da exposição, isto é, o locus sagrado do ofício do Poeta. Aqui encontramos a secretária do poeta, a sua cadeira e uma estante para livros, por si desenhadas e ideadas, feitas a partir de carvalhos do Solar de Gatão. Temos, também, a mão de bronze esculpida por António Duarte, sinetes, uma lupa e um estojo em veludo vermelho com uma caneta dourada com pedras de cor. Por detrás da secretária irrompe a imagem de Pascoaes a habitar esse mesmo espaço, fotografia trabalhada e ampliada pelo designer Carlos Gallo e pela arquiteta Bárbara Abreu.
Os pincéis e as cores
Num segundo momento, o convite transforma-se na passagem da palavra até ao movimento fugaz e elusivo dos pincéis e das cores. Deparamo-nos, assim, com uma aguarela de Pascoaes feita por António Carneiro. Este segundo marco da exposição, como todos os outros, fala-nos de modos distintos do poeta: encontramos, assim, o seu bilhete de identidade com a indicação da sua altura (1,58), olhos castanhos e a marca do polegar direito de Pascoaes. Ainda ligada à noção de fumo encontramos exposta a licença de acendedores e isqueiros, a bengala, a mala de viagem do poeta, o chapéu palhinha e uma réplica da pasta de curso de Direito deste bacharel manquée.
Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos
No terceiro e último momento, dá-se foco principal ao homem, de seu nome Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, privilegiando momentos íntimos quer através do contacto com os amigos e cultores da época, quer com alguns manuscritos e epístolas que registam a vasta e multímoda produção deste escritor, cuja presença de génio abarca não só a paisagem de Amarante e Gatão, mas faz estremecer a Via-Láctea, o Universo.
Documentos inéditos
Esta mostra opta, igualmente, pela exposição de alguns documentos inéditos ou tão raros que assumem uma importância crucial para compreender o ambiente que circundava o poeta, tais como: os bilhetes-postais das suas admiradoras, Sofia Gallini, Judith Lima e Maria Sabaté Taborda. Salientam-se, ainda, duas oferendas de claro destaque: uma, de Mário de Sá-Carneiro com uma dedicatória reverencial ao poeta e, outra, os dessins de Amadeo Souza-Cardoso, com dedicatória ao amigo e poeta e um bilhete-postal de Espinho, falando do espírito burguês que aí abundava, escapando apenas o «Typo de beleza da mulher do Oceano.» A este propósito, convém relembrar que o itinerário desta exposição se complementa com a visualização de duas películas (datadas, respetivamente, de 1970 e 1974) sobre a vida e obra de Teixeira de Pascoaes, cedidas pela Câmara Municipal de Amarante, pela Biblioteca Albano Sardoeira e pela RTP.
O pinheiro
À saída deste percurso, pautado pela voz do poeta, o visitante encontrará um pinheiro trazido diretamente de Amarante: apontamento que celebra a Natureza e lembra dois episódios surpreendentes da sensibilidade anímica do autor. O primeiro, aponta para o encontro com uma mulher que carregava aos ombros uns pinheirinhos. Pascoaes, não sem alguma irascibilidade, diz-lhe que devolva esses pinheiros à Terra Mãe e que não volte a arrancar os pinheiros na sua fase de crescimento inicial. O segundo, evoca um dos últimos desejos de Pascoaes ao querer que o seu caixão fosse feito da madeira dos pinheiros do seu Solar. A seriedade intimista subjacente a estes três espaços atmosféricos e concêntricos da exposição, que se revelam à medida do andamento musical do visitante, são, pois, extraídos do profundo temperamento de Teixeira de Pascoaes, encaminhando-nos, não apenas para a justa apologia da sua obra poética e filosófica, mas para o simultâneo reconhecimento de uma Visão, cujo grito ressoa frente a frente ao absoluto.